Por: Philipp Yuri // u/fofinho20103
Pirataria é uma prática enraizada na cultura de todos os lugares do mundo. E o caloroso debate sobre tais ações serem certas ou erradas, é tão velho quanto. A premissa gira em torno dos danos que essa cultura causa aos detentores dos direitos de suas obras e a indústria no geral. Em um relatório publicado pela Bloomberg, é estimado que o impacto negativo seja de aproximadamente R$ 400 bilhões de reais anualmente. No entanto, é essencial mencionar que tais dados partem da premissa de que todas as pessoas que piratearam, escolheram piratear e não adquirir tais serviços por meios legais.
E no Brasil?
Se aplicarmos esse contexto no Brasil, o relatório implica que todos os brasileiros que escolheram piratear e não consumir conteúdo por meios oficiais, estão de alguma forma prejudicando todos os envolvidos em tal projeto, de maneira direta e indireta. É uma linha de raciocínio que parece lógica se analisada superficialmente, mas se pensarmos mais a fundo e analisarmos a economia brasileira, veremos que a raiz do problema da pirataria no Brasil, é mais complicada do que isso.
O valor do salário mínimo no Brasil é definido e baseado na presunção de que um trabalhador adulto tenha o poder de compra necessário para satisfazer necessidades básicas como alimentação, moradia, vestuário, higiene, transporte e lazer. Se você mora no Brasil, já sabe que a realidade do brasileiro comum, não chega nem perto de atender todos esses aspectos.
Streamings e o efeito a longo prazo
Observando mais dados do relatório da Bloomberg, o número de acessos a sites piratas de vídeo apresentou uma queda até o ano de 2020, que por sua vez, foi crescendo de maneira significativa. Existem diversos fatores que impactaram essa subida repentina, entretanto, dentre elas, há duas que influenciaram mais. Nesse mesmo ano, a Organização Mundial de Saúde declarou oficialmente a Covid-19 como pandêmica, o que impactou financeiramente diversos setores de várias indústrias. A indústria cinematográfica ficou à mercê de pausar completamente novas gravações por um longo período de tempo e isso acarretou em cicatrizes financeiras que produzem os efeitos até nos dias atuais. E isso nos leva ao segundo maior motivo. O aumento de preço. Sem novos projetos sendo lançados, a economia não estava girando, não havia faturamento como antes e eles precisavam suprir esse buraco de alguma forma para não declarar falência. A medida mais lógica foi: Pegar a fonte de lucro e aumentar as margens de lucro.
Se utilizarmos a Netflix como base, o histórico de preço de suas assinaturas tiveram apenas aumento ano após ano. Situação que continua se repetindo anualmente até hoje. O plano padrão no ano de 2024, custa R$ 44,90. Um aumento de aproximadamente 28% em relação ao preço de 2020.
Cultura e seu impacto na pirataria brasileira
A infeliz realidade da maior parte dos brasileiros se resume basicamente em sobreviver e não viver. Sempre tendo dificuldades financeiras em diversos aspectos. Ter que trabalhar sem saber se no mês seguinte vai conseguir colocar comida na mesa todos os dias, ou até mesmo ter um breve momento de lazer. Na melhor das hipóteses, algumas famílias conseguem fazer um pequeno agrado a eles mesmos ocasionalmente, seja dando aquela saída pra uma pizzaria, um cinema ou simplesmente comprando alguns lanches por delivery para jantar. Em meio a essa maré de incerteza, a maioria das pessoas tem seus próprios hobbies e coisas pelas quais gastam dinheiro. Para alguns são livros, actions figures, funko pop, show de algum artista na capital à qual ficou o ano inteiro juntando para viajar… mas um dos hobbies que a atenção é praticamente inexistente é na indústria cinematográfica, mais especificamente, coleção de obras. Alugar filmes nas locadoras foi o mais próximo que já tivemos dessa cultura e esse hábito já morreu há uma década.
A cultura de comprar Blurays e DVD’s é predominante nos Estados Unidos e Reino Unido, em alguns outros países também como Alemanha, apesar de em menor quantidade.
A realidade da pirataria no Brasil precede 2 eventos importantes. O poder de compra e a mentalidade de um indivíduo. Se usarmos como base o Remake do Silent Hills 2, a versão mais barata está disponível por R$ 350 e isso representa aproximadamente 25% do salário mínimo. Essa mesma versão, em dólares, custa US$ 69. O salário mínimo lá, que é calculado por hora e não mensalmente, é de US$ 7,25. Uma jornada de trabalho de 10 horas que é bem comum, é mais do que suficiente para comprar o jogo. Um único dia ou dois de trabalho e você compra o jogo na pré-venda. Enquanto isso, para um brasileiro que ganha um salário mínimo, precisa trabalhar pelo menos 1 semana para comprar o mesmo jogo. E para quem vive com tal salário, muito provavelmente jamais irá cogitar gastar tudo isso em um jogo a menos que seja uma coisa que tal pessoa realmente goste de coração.
Levando em consideração toda essa realidade, a solução que boa parte das pessoas encontram é piratear jogos, afinal, se elas sequer têm condição de sustentar tal hobbie, seria mesmo certo se absterem de ter tal experiência? Se alguém não possui condição de adquirir o jogo oficialmente, então ela nunca foi um cliente em potencial, logo o prejuízo apontado pelos dados da Bloomberg de R$ 400 bilhões, não necessariamente refletem a verdade, com exceção do cenário em que todos os indivíduos que piratearam tivessem condições de obter tais serviços.
Tendo isso em mente, a maior parte do cenário de pirataria depende de uma pessoa fazendo isso por pura e boa vontade. Vários indivíduos desse cenário ao redor do mundo já falaram sobre como a maioria dos projetos tem um custo muito maior do que o lucro. Isso quando existe o lucro. Existem grupos que fazem voluntariamente e outros que tentam monetizar de alguma forma, seja ripando um conteúdo e botando propaganda no site ou simplesmente pegando conteúdo dos outros e monetizando o próprio site.
Isso significa que, se um brasileiro conseguir condições melhores de vida, os menos afortunados estão à mercê daqueles que têm maior poder de compra, já que os mesmos, são os capazes de manter um hobbie como o de comprar Blurays e DVD’s de filmes e séries. Temos que considerar também o fator interesse em ajudar a comunidade. Se o escopo de pessoas que podem sustentar esse hobbie já é bem limitado, dentro dele, nem todos irão querer se dar o trabalho de entender como funciona o compartilhamento do conteúdo que possui em mãos.
O trabalho de piratear
Assim como a indústria de jogos tem uma tecnologia de proteção anti-pirataria como o Denuvo, os Blurays e DVD’s também tem sua tecnologia para evitar que pessoas que tenham comprado seus vídeos, compartilhem o conteúdo com um simples Control C + Control V. No entanto, a dificuldade de burlar tal sistema de proteção nos Blurays e DVD’s é significativamente mais fácil. Piratear discos envolve basicamente copiar todo o conteúdo do disco. Vídeos, áudios e legendas. E hoje existem 2 programas que dominam o mercado. AnyDVD e MakeMKV. Ambos são atualizados constantemente para não se tornarem obsoletos, mas acima de tudo, eles quebram a proteção anti-pirataria automaticamente para o usuário, deixando a dor de cabeça para o próprio programa apenas. Seu trabalho se torna basicamente garantir que além de que todo o conteúdo seja compartilhado sem nenhum erro ou faltando, tudo esteja intacto.
Fazer uma cópia 1:1 de um disco Bluray não é nada leve. O filme em si pode chegar a incríveis 50 GB facilmente, isso sem contar com os bônus que costumam vir junto no disco. Entrevistas com diretores, atores, dubladores, por trás das cenas e etc. Cópia 1:1 é chamado de BDMV. Se a cópia consistir apenas do filme em si e nada mais, é categorizado como Remux, que é apenas a cópia do filme em sua qualidade original e todas suas faixas de aúdio e legendas. Mas aí entra outra questão. Vale a pena se dar esse trabalho todo em troca de nada? Ou até mesmo sair no prejuízo com dezenas e dezenas de discos sendo comprados para compartilhar na internet? Se um HD de 1 TB pode ser facilmente preenchido com 20 filmes, e anualmente centenas de filmes são lançados, manter tal projeto de piratear filmes e séries exige centenas e centenas de TB, e discos rígidos não estão nem um pouco baratos.
Levando em consideração essas dificuldades, um indivíduo ou um grupo que se dedica voluntariamente a piratear a indústria cinematográfica, muito provavelmente já esteve no lado dos menos afortunados e sabe o quão precário e complicado a situação é, e quer ajudar a comunidade da forma que pode. Grande parte deles acabam custeando os gastos por conta própria, e alguns até tem seus canais de doação, mas não é como se a maioria das pessoas que pirateiam tenham condições de ajudar, ou queiram.
Solução
Em meio a essa maré de dificuldades, o cenário brasileiro encontrou um meio termo para não morrer de vez. Streamings. Basicamente, pessoas começaram a desenvolver scripts e programas que conseguem pegar o arquivo de vídeo quando você estivesse com tal filme ou série aberto no streaming. Ou seja, com essas técnicas, uma pessoa pode pegar o vídeo, todas as faixas de áudios de todos os idiomas e legendas, eliminando a etapa de ter que adquirir o filme pelo Bluray ou DVD. Com os gastos sendo apenas das assinaturas dos streamings e do servidor do próprio site, essa prática mostrou-se muito mais viável e eficiente… isto é, superficialmente.
Se você já baixou algum filme ou série, já percebeu que existem vários tamanhos de arquivo para um mesmo filme. Você pode encontrar um filme em 1080p com o tamanho de 2 GB e também encontrar o mesmo filme em 1080p mas com o tamanho de 20 GB. Isso é porque a pessoa que criou o arquivo de 2 GB fez uma coisa chamada de compressão de Dados. Imagine o seguinte: Você abre algum vídeo do Youtube e tem as resoluções para escolher. 480p, 720p, 4k. Quanto menor a qualidade que você escolhe, mais o vídeo fica com a qualidade ruim, mais quadriculado. Imagine um vídeo que você coloque em 1080p mas ele ainda esteja com uma imagem ruim, parecendo mais 480p do que 1080p que você escolheu. Isso acontece por causa da compressão de Dados. É uma técnica que muitos utilizam para deixar os arquivos mais leves e mais convenientes de se lidar.
O fator que define essa qualidade de quadriculado é chamado de Bitrate. Arquivos Remux costumam ter um valor de 25-60 Mb/s de Bitrate. Um valor que gira em torno de 6 Mb/s é bem aceitável em monitores Full HD, mas até mesmo nesses casos, assistir um arquivo Remux nele, a diferença ainda é bem perceptível. Arquivos de filmes que giram em torno de 2 GB, 4 GB, costumam ter um Bitrate de 2 Mb/s a 4 Mb/s, e os mesmos são sempre os mais baixados mesmo que a qualidade seja significativamente inferior. Existem vários motivos pra isso, mas os principais são: A maioria das pessoas querem conveniência. Elas querem abrir um site, digitarem o nome do filme e apertar play. Segundo, grande parte dessas pessoas, não são piratas ávidos e antenados com computadores e tecnologia. São pessoas casuais que muitas vezes têm uma rotina longa e trabalhadora e no final do dia querem sentar e ver algo com o mínimo de esforço. Isso significa que muitas delas sequer sabem sobre esse assunto de Bitrate. Outras simplesmente não se importam com isso, se dá pra ver o filme e não tá 480p tudo quadriculado, já é mais do que suficiente para elas.
A técnica de compressão de dados também se aplica ao áudio. Mas se nos vídeos, o que define a qualidade é o Bitrate, como nós saberemos a qualidade de um áudio se não temos uma imagem de vídeo para julgar?
Imagine a seguinte situação. Você está em um show para ver uma banda que gosta muito. Você está bem no meio da multidão, nem muito pra esquerda nem muito pra direita. Nem muito longe, nem muito perto, bem no centro da galera. Enquanto uma música toca, você decide fechar os olhos. Ao prestar atenção nos sons, você começa a analisar de qual direção cada som está vindo. Você percebe que bem ao seu lado esquerdo, tem algumas pessoas cantando junto. Do lado direito você ouve alguém apertando um copo plástico. Do palco, você nota que a voz do cantor vem diretamente de sua frente. Você ouve sons de bateria vindo de sua diagonal esquerda, ligando os pontos que o baterista está do lado esquerdo do cantor da sua perspectiva. Na diagonal direita você ouve o som do guitarrista tocando.
Toda essa noção de espaço e distância de cada som, é chamado de Palco Sonoro. Essa mesma experiência acontece o tempo todo. Quando você coloca seu fone de ouvido e abre o Spotify. O artista leva em consideração o palco sonoro que ele quer que você escute. Ele vai criar sua música onde alguns instrumentos vão estar mais altos, outros mais baixos, alguns mais pertos e outros distantes.
Se na hora que um artista está criando sua música, ele cria o palco sonoro, imagine que cada som carregue informações. Se ele quer que o som da guitarra esteja mais distante e baixo, a informação carregada no arquivo será algo do tipo: “Guitarra está a 40 metros de distância do ouvinte e 20°graus à sua esquerda”. Essa é a informação sem compressão de Dados. Para deixar o arquivo mais leve, ao fazer a compressão de dados imagine que os dados específicos tenham se perdido um pouco, transformando a informação em “Guitarra está longe do ouvinte, um pouco pra esquerda”. Perceba que a intenção ainda está ali, e a informação não se perdeu completamente, mas está incompleta devido a compressão de dados.
O mesmo acontece nos filmes. A distância de uma explosão, o volume dela, a direção. Cada som vai carregar informações diferentes, os passos de alguém, os objetos, animais, armas… Cada um carrega uma informação diferente e essa experiência variada é chamada de dinâmica. Você sabe que uma dinâmica é boa quando o volume de uma explosão é significativamente maior do que duas pessoas conversando, por pura lógica. Ao realizar a compressão de Dados, informações estão sendo perdidas e isso afeta a qualidade final de todo o palco sonoro, clareza e dinâmica do som. E todos os streamings de filmes e séries usam compressão de dados, tanto nos vídeos, quanto nos áudios. Tudo isso por conta do custo de manter uma enorme biblioteca pelos motivos que expliquei antes.
E se o meio termo que o cenário brasileiro de pirataria encontrou para se manter viva, foi pegar conteúdo direto dos streamings para repostar em seus sites e piratear, isso significa que a maior gama de arquivos disponíveis por aí, são arquivos com vídeos e áudios com compressão de dados. E se a prática de comprar bluray já é praticamente inexistente, conseguir áudios dublados em qualidade original acaba se mostrando uma tarefa muito complicada e com pouquíssimos indivíduos dispostos a fazer esse trabalho todo.
Referências: Bloomberg | Thewrap | OP
Pirataria é uma prática enraizada na cultura de todos os lugares do mundo. E o caloroso debate sobre tais ações serem certas ou erradas, é tão velho quanto. A premissa gira em torno dos danos que essa cultura causa aos detentores dos direitos de suas obras e a indústria no geral. Em um relatório publicado pela Bloomberg, é estimado que o impacto negativo seja de aproximadamente R$ 400 bilhões de reais anualmente. No entanto, é essencial mencionar que tais dados partem da premissa de que todas as pessoas que piratearam, escolheram piratear e não adquirir tais serviços por meios legais.
E no Brasil?
Se aplicarmos esse contexto no Brasil, o relatório implica que todos os brasileiros que escolheram piratear e não consumir conteúdo por meios oficiais, estão de alguma forma prejudicando todos os envolvidos em tal projeto, de maneira direta e indireta. É uma linha de raciocínio que parece lógica se analisada superficialmente, mas se pensarmos mais a fundo e analisarmos a economia brasileira, veremos que a raiz do problema da pirataria no Brasil, é mais complicada do que isso.
O valor do salário mínimo no Brasil é definido e baseado na presunção de que um trabalhador adulto tenha o poder de compra necessário para satisfazer necessidades básicas como alimentação, moradia, vestuário, higiene, transporte e lazer. Se você mora no Brasil, já sabe que a realidade do brasileiro comum, não chega nem perto de atender todos esses aspectos.
Streamings e o efeito a longo prazo
Observando mais dados do relatório da Bloomberg, o número de acessos a sites piratas de vídeo apresentou uma queda até o ano de 2020, que por sua vez, foi crescendo de maneira significativa. Existem diversos fatores que impactaram essa subida repentina, entretanto, dentre elas, há duas que influenciaram mais. Nesse mesmo ano, a Organização Mundial de Saúde declarou oficialmente a Covid-19 como pandêmica, o que impactou financeiramente diversos setores de várias indústrias. A indústria cinematográfica ficou à mercê de pausar completamente novas gravações por um longo período de tempo e isso acarretou em cicatrizes financeiras que produzem os efeitos até nos dias atuais. E isso nos leva ao segundo maior motivo. O aumento de preço. Sem novos projetos sendo lançados, a economia não estava girando, não havia faturamento como antes e eles precisavam suprir esse buraco de alguma forma para não declarar falência. A medida mais lógica foi: Pegar a fonte de lucro e aumentar as margens de lucro.
Se utilizarmos a Netflix como base, o histórico de preço de suas assinaturas tiveram apenas aumento ano após ano. Situação que continua se repetindo anualmente até hoje. O plano padrão no ano de 2024, custa R$ 44,90. Um aumento de aproximadamente 28% em relação ao preço de 2020.
Cultura e seu impacto na pirataria brasileira
A infeliz realidade da maior parte dos brasileiros se resume basicamente em sobreviver e não viver. Sempre tendo dificuldades financeiras em diversos aspectos. Ter que trabalhar sem saber se no mês seguinte vai conseguir colocar comida na mesa todos os dias, ou até mesmo ter um breve momento de lazer. Na melhor das hipóteses, algumas famílias conseguem fazer um pequeno agrado a eles mesmos ocasionalmente, seja dando aquela saída pra uma pizzaria, um cinema ou simplesmente comprando alguns lanches por delivery para jantar. Em meio a essa maré de incerteza, a maioria das pessoas tem seus próprios hobbies e coisas pelas quais gastam dinheiro. Para alguns são livros, actions figures, funko pop, show de algum artista na capital à qual ficou o ano inteiro juntando para viajar… mas um dos hobbies que a atenção é praticamente inexistente é na indústria cinematográfica, mais especificamente, coleção de obras. Alugar filmes nas locadoras foi o mais próximo que já tivemos dessa cultura e esse hábito já morreu há uma década.
A cultura de comprar Blurays e DVD’s é predominante nos Estados Unidos e Reino Unido, em alguns outros países também como Alemanha, apesar de em menor quantidade.
A realidade da pirataria no Brasil precede 2 eventos importantes. O poder de compra e a mentalidade de um indivíduo. Se usarmos como base o Remake do Silent Hills 2, a versão mais barata está disponível por R$ 350 e isso representa aproximadamente 25% do salário mínimo. Essa mesma versão, em dólares, custa US$ 69. O salário mínimo lá, que é calculado por hora e não mensalmente, é de US$ 7,25. Uma jornada de trabalho de 10 horas que é bem comum, é mais do que suficiente para comprar o jogo. Um único dia ou dois de trabalho e você compra o jogo na pré-venda. Enquanto isso, para um brasileiro que ganha um salário mínimo, precisa trabalhar pelo menos 1 semana para comprar o mesmo jogo. E para quem vive com tal salário, muito provavelmente jamais irá cogitar gastar tudo isso em um jogo a menos que seja uma coisa que tal pessoa realmente goste de coração.
Levando em consideração toda essa realidade, a solução que boa parte das pessoas encontram é piratear jogos, afinal, se elas sequer têm condição de sustentar tal hobbie, seria mesmo certo se absterem de ter tal experiência? Se alguém não possui condição de adquirir o jogo oficialmente, então ela nunca foi um cliente em potencial, logo o prejuízo apontado pelos dados da Bloomberg de R$ 400 bilhões, não necessariamente refletem a verdade, com exceção do cenário em que todos os indivíduos que piratearam tivessem condições de obter tais serviços.
Tendo isso em mente, a maior parte do cenário de pirataria depende de uma pessoa fazendo isso por pura e boa vontade. Vários indivíduos desse cenário ao redor do mundo já falaram sobre como a maioria dos projetos tem um custo muito maior do que o lucro. Isso quando existe o lucro. Existem grupos que fazem voluntariamente e outros que tentam monetizar de alguma forma, seja ripando um conteúdo e botando propaganda no site ou simplesmente pegando conteúdo dos outros e monetizando o próprio site.
Isso significa que, se um brasileiro conseguir condições melhores de vida, os menos afortunados estão à mercê daqueles que têm maior poder de compra, já que os mesmos, são os capazes de manter um hobbie como o de comprar Blurays e DVD’s de filmes e séries. Temos que considerar também o fator interesse em ajudar a comunidade. Se o escopo de pessoas que podem sustentar esse hobbie já é bem limitado, dentro dele, nem todos irão querer se dar o trabalho de entender como funciona o compartilhamento do conteúdo que possui em mãos.
O trabalho de piratear
Assim como a indústria de jogos tem uma tecnologia de proteção anti-pirataria como o Denuvo, os Blurays e DVD’s também tem sua tecnologia para evitar que pessoas que tenham comprado seus vídeos, compartilhem o conteúdo com um simples Control C + Control V. No entanto, a dificuldade de burlar tal sistema de proteção nos Blurays e DVD’s é significativamente mais fácil. Piratear discos envolve basicamente copiar todo o conteúdo do disco. Vídeos, áudios e legendas. E hoje existem 2 programas que dominam o mercado. AnyDVD e MakeMKV. Ambos são atualizados constantemente para não se tornarem obsoletos, mas acima de tudo, eles quebram a proteção anti-pirataria automaticamente para o usuário, deixando a dor de cabeça para o próprio programa apenas. Seu trabalho se torna basicamente garantir que além de que todo o conteúdo seja compartilhado sem nenhum erro ou faltando, tudo esteja intacto.
Fazer uma cópia 1:1 de um disco Bluray não é nada leve. O filme em si pode chegar a incríveis 50 GB facilmente, isso sem contar com os bônus que costumam vir junto no disco. Entrevistas com diretores, atores, dubladores, por trás das cenas e etc. Cópia 1:1 é chamado de BDMV. Se a cópia consistir apenas do filme em si e nada mais, é categorizado como Remux, que é apenas a cópia do filme em sua qualidade original e todas suas faixas de aúdio e legendas. Mas aí entra outra questão. Vale a pena se dar esse trabalho todo em troca de nada? Ou até mesmo sair no prejuízo com dezenas e dezenas de discos sendo comprados para compartilhar na internet? Se um HD de 1 TB pode ser facilmente preenchido com 20 filmes, e anualmente centenas de filmes são lançados, manter tal projeto de piratear filmes e séries exige centenas e centenas de TB, e discos rígidos não estão nem um pouco baratos.
Levando em consideração essas dificuldades, um indivíduo ou um grupo que se dedica voluntariamente a piratear a indústria cinematográfica, muito provavelmente já esteve no lado dos menos afortunados e sabe o quão precário e complicado a situação é, e quer ajudar a comunidade da forma que pode. Grande parte deles acabam custeando os gastos por conta própria, e alguns até tem seus canais de doação, mas não é como se a maioria das pessoas que pirateiam tenham condições de ajudar, ou queiram.
Solução
Em meio a essa maré de dificuldades, o cenário brasileiro encontrou um meio termo para não morrer de vez. Streamings. Basicamente, pessoas começaram a desenvolver scripts e programas que conseguem pegar o arquivo de vídeo quando você estivesse com tal filme ou série aberto no streaming. Ou seja, com essas técnicas, uma pessoa pode pegar o vídeo, todas as faixas de áudios de todos os idiomas e legendas, eliminando a etapa de ter que adquirir o filme pelo Bluray ou DVD. Com os gastos sendo apenas das assinaturas dos streamings e do servidor do próprio site, essa prática mostrou-se muito mais viável e eficiente… isto é, superficialmente.
Se você já baixou algum filme ou série, já percebeu que existem vários tamanhos de arquivo para um mesmo filme. Você pode encontrar um filme em 1080p com o tamanho de 2 GB e também encontrar o mesmo filme em 1080p mas com o tamanho de 20 GB. Isso é porque a pessoa que criou o arquivo de 2 GB fez uma coisa chamada de compressão de Dados. Imagine o seguinte: Você abre algum vídeo do Youtube e tem as resoluções para escolher. 480p, 720p, 4k. Quanto menor a qualidade que você escolhe, mais o vídeo fica com a qualidade ruim, mais quadriculado. Imagine um vídeo que você coloque em 1080p mas ele ainda esteja com uma imagem ruim, parecendo mais 480p do que 1080p que você escolheu. Isso acontece por causa da compressão de Dados. É uma técnica que muitos utilizam para deixar os arquivos mais leves e mais convenientes de se lidar.
O fator que define essa qualidade de quadriculado é chamado de Bitrate. Arquivos Remux costumam ter um valor de 25-60 Mb/s de Bitrate. Um valor que gira em torno de 6 Mb/s é bem aceitável em monitores Full HD, mas até mesmo nesses casos, assistir um arquivo Remux nele, a diferença ainda é bem perceptível. Arquivos de filmes que giram em torno de 2 GB, 4 GB, costumam ter um Bitrate de 2 Mb/s a 4 Mb/s, e os mesmos são sempre os mais baixados mesmo que a qualidade seja significativamente inferior. Existem vários motivos pra isso, mas os principais são: A maioria das pessoas querem conveniência. Elas querem abrir um site, digitarem o nome do filme e apertar play. Segundo, grande parte dessas pessoas, não são piratas ávidos e antenados com computadores e tecnologia. São pessoas casuais que muitas vezes têm uma rotina longa e trabalhadora e no final do dia querem sentar e ver algo com o mínimo de esforço. Isso significa que muitas delas sequer sabem sobre esse assunto de Bitrate. Outras simplesmente não se importam com isso, se dá pra ver o filme e não tá 480p tudo quadriculado, já é mais do que suficiente para elas.
A técnica de compressão de dados também se aplica ao áudio. Mas se nos vídeos, o que define a qualidade é o Bitrate, como nós saberemos a qualidade de um áudio se não temos uma imagem de vídeo para julgar?
Imagine a seguinte situação. Você está em um show para ver uma banda que gosta muito. Você está bem no meio da multidão, nem muito pra esquerda nem muito pra direita. Nem muito longe, nem muito perto, bem no centro da galera. Enquanto uma música toca, você decide fechar os olhos. Ao prestar atenção nos sons, você começa a analisar de qual direção cada som está vindo. Você percebe que bem ao seu lado esquerdo, tem algumas pessoas cantando junto. Do lado direito você ouve alguém apertando um copo plástico. Do palco, você nota que a voz do cantor vem diretamente de sua frente. Você ouve sons de bateria vindo de sua diagonal esquerda, ligando os pontos que o baterista está do lado esquerdo do cantor da sua perspectiva. Na diagonal direita você ouve o som do guitarrista tocando.
Toda essa noção de espaço e distância de cada som, é chamado de Palco Sonoro. Essa mesma experiência acontece o tempo todo. Quando você coloca seu fone de ouvido e abre o Spotify. O artista leva em consideração o palco sonoro que ele quer que você escute. Ele vai criar sua música onde alguns instrumentos vão estar mais altos, outros mais baixos, alguns mais pertos e outros distantes.
Se na hora que um artista está criando sua música, ele cria o palco sonoro, imagine que cada som carregue informações. Se ele quer que o som da guitarra esteja mais distante e baixo, a informação carregada no arquivo será algo do tipo: “Guitarra está a 40 metros de distância do ouvinte e 20°graus à sua esquerda”. Essa é a informação sem compressão de Dados. Para deixar o arquivo mais leve, ao fazer a compressão de dados imagine que os dados específicos tenham se perdido um pouco, transformando a informação em “Guitarra está longe do ouvinte, um pouco pra esquerda”. Perceba que a intenção ainda está ali, e a informação não se perdeu completamente, mas está incompleta devido a compressão de dados.
O mesmo acontece nos filmes. A distância de uma explosão, o volume dela, a direção. Cada som vai carregar informações diferentes, os passos de alguém, os objetos, animais, armas… Cada um carrega uma informação diferente e essa experiência variada é chamada de dinâmica. Você sabe que uma dinâmica é boa quando o volume de uma explosão é significativamente maior do que duas pessoas conversando, por pura lógica. Ao realizar a compressão de Dados, informações estão sendo perdidas e isso afeta a qualidade final de todo o palco sonoro, clareza e dinâmica do som. E todos os streamings de filmes e séries usam compressão de dados, tanto nos vídeos, quanto nos áudios. Tudo isso por conta do custo de manter uma enorme biblioteca pelos motivos que expliquei antes.
E se o meio termo que o cenário brasileiro de pirataria encontrou para se manter viva, foi pegar conteúdo direto dos streamings para repostar em seus sites e piratear, isso significa que a maior gama de arquivos disponíveis por aí, são arquivos com vídeos e áudios com compressão de dados. E se a prática de comprar bluray já é praticamente inexistente, conseguir áudios dublados em qualidade original acaba se mostrando uma tarefa muito complicada e com pouquíssimos indivíduos dispostos a fazer esse trabalho todo.
Referências: Bloomberg | Thewrap | OP